quarta-feira, 13 de junho de 2012

al berto - 1997

E para terminar este dia de efemérides poéticas, foi também num dia 13 de Junho, mas agora de 1997 (passam hoje 15 anos) que morreu al berto, com um linfoma. Tinha então 49 anos. Visceral, homossexual e genial.
.
notas para o diário
.
deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
.
a dor de todas as ruas vazias.
.
sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.
.
a dor de todas as ruas vazias.
.
mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
.
a dor de todas as ruas vazias.
.
pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.
.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.
.
a dor de todas as ruas vazias.
.
sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.
.
a dor de todas as ruas vazias.
.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
.
a dor de todas as ruas vazias.

Sem comentários:

Enviar um comentário